A Amizade
Este
texto é de autoria do Dr.
Flavio Gikovate, grande Psicoterapeuta, creio que foi uma das mentes mais
brilhantes de nosso pais, falecido em 2016, sintetiza muito sabiamente sobre a
amizade.
A amizade corresponde a um
elo sentimental forte e que surge entre duas pessoas, ao que parece, em função
de alguns dos ingredientes que nem sempre estão presentes no processo do
encantamento sentimental.
A simpatia costuma acontecer mais ou menos
rapidamente, um achando graça no modo de ser, de falar, de rir e de pensar do
outro e isso é parecido com o que acontece no amor.
As
afinidades intelectuais surgem mais ou menos rapidamente à medida que o
relacionamento se aprofunda e é a principal causa dessa intimidade crescente
que caracteriza esse que talvez seja o encontro sentimental mais maduro e mais
distante dos elos sentimentais infantis. Pena não estar presente na maioria das
relações ditas amorosas.
Aqui
predomina o respeito pelas diferenças e o modo de ser de cada um determina um
rápido processo de confiança recíproca; a intimidade mais delicada costuma ser
compartilhada sem medo que o amigo venha a fazer um uso inadequado da
confidência. Trata-se de um tipo de relacionamento desprovido de “jogo”: amigos
não buscam obter vantagens indevidas nesse tipo de relacionamento.
As
relações de amizade incluem alguma dose de ciúme e muito pouca inveja, posto
que costumam acontecer entre pessoas que estão em condições socioculturais
semelhantes.
Quando existe algum indício de inveja, ela é vivida intimamente,
evitando ao máximo magoar aquele que está feliz por alguma conquista especial.
O ciúme existe, mas é discreto, de modo que melhores amigos têm outros amigos
também íntimos e isso não os maltrata e nem impede que a amizade e a confiança
persistam.
Entre os que se amam da forma usual, o ciúme costuma se manifestar
de uma forma opressiva, dando mesmo o direito dos amantes de exigir o
afastamento de todas as pessoas que possam provocar essa sensação desagradável.
A
propósito, uma das principais características desse tipo de relação é que a
existência do vínculo e do sentimento que o caracteriza não atribui aos amigos
direitos de um sobre o outro.
Amigos não “cobram” como cobram os que se amam.
Amigos se respeitam e não exigem comportamentos que firam a liberdade e o modo
de ser do outro.
Amigos muitas vezes se afastam por tempo longo e o curioso é que quando se reencontram parece que estiveram juntos na véspera!
Amigos muitas vezes se afastam por tempo longo e o curioso é que quando se reencontram parece que estiveram juntos na véspera!
A intimidade
se refaz imediatamente e não existem questionamentos que indiquem que um deve
satisfações ao outro do que andou fazendo e com quem esteve.
Amigos respeitam
os relacionamentos amorosos que surgem em paralelo e não costumam competir com
aqueles que são objeto do amor.
O ciúme, quando existe, é maior de outros
amigos do que do parceiro amoroso.
É
como se houvesse um genuíno respeito hierárquico, através do qual todos estão
de acordo que as relações amorosas são mais importantes que as amizades, de
modo que não há competição entre esses dois tipos de sentimentos.
O fato
curioso é que muitos relacionamentos amorosos incluem intimidades bem menores
do que aquela que continua a existir entre amigos.
É como se, apesar de tudo,
as pessoas confiassem mais em seus amigos do que em seus amados; é como se um
amigo tivesse menos chance de trair ou usar mal a confidência que o amado.
Amigos,
de fato, não se traem. Muitas dessas relações se enfraquecem com os anos por
força de caminhos divergentes tomados por cada um ou em decorrência de
relacionamentos afetivos em que os novos parceiros não se dão tão bem com os
velhos amigos do amado (ou com suas parceiras); quanto mais gente estiver
envolvida, maior será a dificuldade no sentido de todos serem igualmente
amigos.
Quando algum amigo trai nossa confiança é porque nos equivocamos e, sem
nos apercebermos, confiamos em algum impostor que, bom ator, se fez passar por
“amigo” quando não o era desde o início.
Não espanta, pois, que uma das tarefas às quais tenho me dedicado com mais vigor seja a de contribuir para que as escolhas sentimentais sigam os passos das amizades que, do meu ponto de vista, são o tipo de relacionamento mais bem sucedido.
Não espanta, pois, que uma das tarefas às quais tenho me dedicado com mais vigor seja a de contribuir para que as escolhas sentimentais sigam os passos das amizades que, do meu ponto de vista, são o tipo de relacionamento mais bem sucedido.
Quando
as pessoas se tornam mais maduras e mais independentes elas conseguem ver em
seus parceiros amorosos seus melhores amigos.
Isso porque os amantes foram
escolhidos segundo os mesmos critérios que costumamos usar para estabelecer
elos de amizade: a busca de afinidades de caráter, gostos, interesses e, é
claro, aquela simpatia pelo jeito de ser um do outro que é tão encantadora e
tão difícil de ser definida.
No
amor ainda entra o ingrediente erótico, como regra ausente nas boas escolhas
sentimentais. É preciso cuidado, pois o sexo não raramente prejudica as boas
escolhas: nem sempre os mais atraentes possuem os ingredientes essenciais para
uma ótima amizade.
Texto
de Dr. Flávio Gikovate, Médico
Psiquiatra e Psicanalista, 1943 - 2016